Simetria Conjugal: Vínculo Possível ou Utópico?

Elenice Alves Gomes

No mundo contemporâneo ocidental cristão, vamos vivendo e vivenciando inúmeras configurações familiares e vários modelos conjugais. Pela quantidade de casamentos, descasamentos e recasamentos, continuamos a pensar na necessidade dos indivíduos adultos continuarem se acasalando e buscando novas formas de se relacionarem. Da década de 70 pra cá, segundo Simonetti (2009), existem basicamente os seguintes tipos de casamento: amor livre, casamento aberto, swing (ainda que restrito a atividades sexuais coletivas), casamento de duas casas, além do modelo tradicional onde os cônjuges coabitam e são monogâmicos. Este último tipo de casal: heterossexual, coabitantes da mesma casa e genitores dos mesmos filhos já é minoria em nossa sociedade brasileira, segundo o último censo do IBGE. Desta tipologia derivam-se outras, como: casais homoafetivos, bissexuais e acasalamentos pluriamorosos. Atualmente todas estas formas e tipos de casamento coexistem em nossa sociedade.

O livro “A família em desordem” (Roudinesco, 2003) nos conduz à reflexão sobre as buscas incessantes dos sujeitos em suas formas plurais de relacionamentos. Afinal, o movimento universal LGBT procura ter os mesmos direitos que os casais e famílias tradicionais adquiriram no que diz respeito a ter filhos e condições jurídicas de casamento, herança e dependências securitárias.

O terapeuta sistêmico alemão Hellinger (1998), afirma que além dos relacionamentos pessoais que temos e dos sistemas sociais a que pertencemos, somos também partes de sistemas de relacionamentos mais abrangentes que pertencem à ordem do Amor, quando se trata de relacionamentos íntimos. A busca do amor, a procura de uma pessoa amada e a construção de uma relação amorosa parece ser uma busca incessante para a maioria das pessoas.

Para os sistemas sociais, o psicodramatista Bustos (1990) classifica os vínculos em geral como simétrico (de igual responsabilidade) e assimétrico (com atribuições e responsabilidades diferentes). Quando duas pessoas se acasalam, há um interjogo entre elas que atuam através de seus papéis sociais ou cônjuges, formando o que denominamos vínculo conjugal. Será ele um Vínculo também Simétrico, no sentido psicodramático ou psicológico do termo? É desejável que sim, mas nem sempre é o que acontece.

Moreno, o criador do psicodrama, fundamentou toda sua teoria na filosofia do Encontro – EU e TU:

“Encontro de dois
Olho no olho
Cara a cara
E quando estiveres perto
Eu arrancarei os teus olhos
E os colocarei no lugar dos meus
E tu arrancarás os meus olhos
E os colocará no lugar dos teus
Então, eu te olharei com teus olhos
E tu me olharás com os meus.”

Neste poema, Moreno preconiza o clímax de uma interação a dois, que só é possível acontecer quando há uma relação télica apurada. Tele (do grego, à distância) é a capacidade de um indivíduo perceber o outro tal qual ele é, sem fantasmas e ruídos interpondo a relação. A técnica psicodramática áurea que possibilita o Encontro é a Inversão de papéis. Por isso, muito eficaz na terapia de casal, quando aplicada oportuna e adequadamente.

Vivemos hoje em um contexto onde a mulher se liberta cada vez mais do subjugo masculino e entra significativamente no mercado de trabalho, somando-se à luta por maior liberdade das idiossincrasias sexuais. Os homens tentam se adequar cada vez mais a essas mudanças. A luta pela igualdade, ao lado da diversidade de identidade de gênero, desafia constantemente a nós, terapeutas de casais, ao alinhamento dessas mudanças. Preconceitos e padrões de comportamentos preestabelecidos vêm sendo questionados frequentemente. Os casais estão dando novos contornos, tons e melodia à dança conjugal. Homens e mulheres convivendo à procura de acasalamentos, com tantas possibilidades, ainda carregam dentro de si mitos – como o do amor romântico – e idealizações de um relacionamento perfeito.

Para Freud (apud Vitale, 2016): “A idealização é um processo que diz respeito ao objeto: por ela, esse objeto, sem qualquer alteração em sua natureza, é engrandecido e exaltado na mente do indivíduo. A idealização é possível tanto na esfera da libido do ego quanto na libido objetal […] a idealização é algo que tem a ver com o objeto […]”. Só haverá idealização onde há falta. E na alteridade do casal, o outro é, não só seu objeto idealizado como também responsável pela quebra da idealização durante sua convivência. O problema da idealização é que a relação ou está no passado ou está no futuro, impossibilitando o casal de viver sua realidade no aqui e agora, no tempo presente. A função da terapia e o papel do terapeuta é ajudar o casal na desconstrução desses mitos e ideais e procurar ajudar, encorajando os casais a olharem seus próprios conteúdos internalizados, bem como de seu parceiro, de maneira respeitosa.

Desidealizar um relacionamento é afrouxar o nó para que os cônjuges possam se entrelaçar numa perspectiva mais realista e télica – enxergar e perceber o outro tal qual ele é. Cabe ao terapeuta também o lugar de desidealização de si mesmo enquanto o “salvador” do casamento. É na coconstrução do sistema terapêutico que as desidealizações tanto do sistema conjugal quanto terapêutico acontecem. A busca é pela funcionalidade e harmonia dos relacionamentos.

De outra maneira, a OMS (Organização Mundial de Saúde) define saúde como condição de bem estar biológico, psíquico e social. Na Sistêmica, dizemos se há funcionalidade ou não. Rafael Trindade, em texto publicado na internet recentemente, intitulado “Afetos (bio) políticos – Desamparo” lembra que somos também sujeitos políticos. Ressalta a importância dos afetos para o ser humano se relacionar. Como pensar uma racionalidade que exclui o corpo? Ele continua: impossível! Como pensar uma sociedade que não leve em consideração a forma pela qual não apenas bens e dinheiro circulam, mas também os afetos que são produzidos, veiculados, implantados em nosso meio social? E mesmo no desamparo, o outro nos concerne; existe um vínculo, uma implicação necessária com a alteridade.

Dela – alteridade – os casais não escapam! O exercício de se colocar no lugar do outro é imperativo se e quando pretendem um relacionamento duradouro. Mas em tempo de amores líquidos e sociedade líquida (Bauman), quem pretende ter um casamento de longa duração? Algumas ou muitas pessoas ainda almejam companhia e parceria de vida por muito tempo.

A terapia de casal é o espaço que possibilita cada cônjuge acessar seus modelos e conteúdos internalizados e tornar consciente o que adquiriu na infância e adolescência. Simultaneamente, cada Eu vai percebendo a si mesmo e o seu Tu, o outro com quem se relaciona. Na confluência das expectativas de cada um, de seus modelos de crenças, mitos e ideais, o sistema diádico é capaz de perceber a trama na qual está enredado. O trabalho com imagens e esculturas permite a simbolização e expressão desses conteúdos, ressignificando o tecido conjugal. Analisar a história de vida de cada membro do casal, nos ajuda a entender como estruturaram seus mecanismos psicológicos e construíram sua intersubjetividade. Este conjunto de procedimentos ilumina o casal na compreensão do sentir, pensar e agir de cada um e como cada um afeta e é afetado pelo outro. O relacionamento pode melhorar quando há persistência, tenacidade e investimento dos cônjuges.

Simetria, segundo o dicionário Houaiss é a “correlação entre as partes dispostas em cada lado de uma linha divisória, um plano médio, um centro ou eixo”. O Aurélio complementa: é a “harmonia resultante de certas combinações…”

Finalizando, Simetria Conjugal será o resultado do trabalho de um casal que se propõe a uma relação duradoura e harmoniosa, que porventura se comprometeu a uma aliança terapêutica com algum profissional de sua confiança. Essa é a nossa meta: possibilitar um Vínculo Conjugal Simétrico do ponto de vista psíquico e relacional, num contexto sistemicamente terapêutico!

BIBLIOGRAFIA
  1. Bustos, Dalmiro M. – “Perigo…amor à vista! Drama e psicodrama de casais” – São Paulo, Aleph, 1990.
  2. Hellinger, Bert – “A simetria oculta do amor”. São Paulo, Cultrix, 1998.
  3. Moreno, Jacob Levy – “Psicodrama” -. São Paulo, Cultrix, 1993.
  4. Roudinesco, Elizabeth A. – “A família em desordem”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003.
  5. Seixas, Maria Rita – “As dificuldades do vínculo conjugal na atualidade: como trabalhá-las com o Sociodrama Familiar Sistêmico/Construcionista”, in PSICODRAMA COM CASAIS, organizado por Gisela Castanho, São Paulo, Ágora, 20165.
  6. Simonetti, Alfredo – “O nó e o laço” – São Paulo, Integrare Editora, 2009.
  7. Trindade, Rafael – “Afetos (bio)políticos – desamparo” – Texto publicado na internet em 18/04/2016. https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1140779702631720&id=100000991034312&hc_location= ufi
  8. Vitale, Maria Amália F. – “Uma relação tão especial: terapia de casal e o processo de (des)idealização”, in PSICODRAMA COM CASAIS, organizado por Gisela Castanho. São Paulo, Ágora, 2016.
Trabalho apresentado no XII Congresso Brasileiro de Terapia Familiar realizado pela ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar) em Gramado/RS em 2016.

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